| Ver claro Toda a poesia é luminosa, até a mais obscura. O leitor é que tem às vezes, em lugar de sol, nevoeiro dentro de si. E o nevoeiro nunca deixa ver claro. Se regressar outra vez e outra vez e outra vez a essas sílabas acesas ficará cego de tanta claridade. Abençoado seja se lá chegar. in Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede | As poucas palavras Foi um dia, e outro dia, e outro ainda. Só isso: o céu azul, a sombra lisa, o livro aberto. E algumas palavras. Poucas, ditas como por acaso. Eram contudo palavras de amor. Não propriamente ditas, antes adivinhadas. Ou só pressentidas. Como folhas verdes de passagem. Um verde, digamos, brilhante, de laranjeiras. Foi como se de repente chovesse: as folhas, quero dizer, as palavras brilharam. Não que fossem ditas, mas eram de amor, embora só adivinhadas. Por isso brilhavam. Como folhas molhadas. in Eugénio de Andrade, Os Sulcos da Sede |