O mais importante prémio literário foi atribuído à jornalista e escritora bielorrussa "pela sua escrita polifónica, memorial ao sofrimento e à coragem na nossa época".
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O Prémio Nobel da Literatura foi esta quinta-feira atribuído em Estocolmo à jornalista de investigação bielorrussa Svetlana Alexievich, autora de livros sobre as mulheres na II Guerra, os soldados soviéticos mortos no Afeganistão, as consequências do acidente nuclear de Chernobyl ou a criação e sobrevivência do Homo sovieticus.
A ficcionista e jornalista bielorrussa Svetlana Alexievich tornou-se ontem, aos 67 anos, o 112.º escritor (e apenas a 14.ª mulher) a receber o Prémio Nobel da Literatura. O seu nome foi anunciado às 12h (hora local) em Estocolmo pela Academia Sueca, cuja secretária permanente, Sara Danius, destacou a “obra polifónica” de Alexievich, descrevendo-a como “um memorial ao sofrimento e à coragem na nossa época".
Autora de obras fundamentais para se perceber quer a sociedade soviética, quer o mundo que emergiu do colapso da U.R.S.S., Svetlana Alexievich é sobretudo conhecida por livros como (citam-se os títulos das edições inglesas)War's Unwomanly Face (1985), sobre as mulheres soviéticas na II Guerra,Zinky Boys (1989), dedicado à intervenção soviética no Afeganistão, Voices from Chernobyl (1997), que dá voz aos sobreviventes do desastre nuclear, ou o recente O Fim do Homem Soviético, cuja edição portuguesa saiu já este ano na Porto Editora.
A nova secretária da Academia Sueca, Sara Danius, que sucedeu em Junho a Peter Englund, diz que a escritora bielorrussa inventou “um novo género literário”, que “funde literatura e jornalismo”, e “criou uma história das emoções, uma história da alma”.
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Nascida em 1948 em Ivano-Frankivsk (então Stanislav), na Ucrânia, Alexievich é fiha de pai bielorrusso e mãe ucraniana, ambos professores, e ela própria se dividiu durante algum tempo entre a docência e o jornalismo. O que caracteriza a sua obra é o modo como procura dar literalmente voz àqueles que viveram os acontecimentos que aborda. Seja em War's Unwomanly Face, o livro que lhe trouxe notoriedade, seja em Voices from Chernobyl: The Oral History of a Nuclear Disaster, o ponto de partida é sempre ouvir directamente os (as) testemunhas e permitir que a sua voz chegue intacta à versão final do livro.
Já este ano foi editado pela Porto Editora o seu título mais recente, O Fim do Homem Soviético - Um Tempo de Desencanto, originalmente publicado em 2012, e que lhe valeu no ano seguinte o Prémio Médicis de Ensaio, tendo ainda sido considerado o melhor livro do ano pela revista literária francesa Lire.
É a sua única obra disponível em português até ao momento, mas a editora Elsinore já anunciou que irá publicar Vozes de Chernobyl (título provisório) em 2016, assinalando os 30 anos do desastre nuclear que ocorreu em Abril de 1986 naquela que é hoje uma cidade-fantasma ucraniana, perto da fronteira com a Bielorrússia. O livro foi já adaptado ao cinema pelo realizador Pol Crutchen, num filme com estreia prevista para 2016.
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Licenciada em Jornalismo pela Universidade de Minsk em 1972, Svetlana Alexievich trabalhou depois num jornal de Beresa, na região de Brest, ao mesmo tempo que dava aulas. É com o jornalismo que descobre, segundo as suas próprias palavras, que “a melhor maneira de aprendermos alguma coisa sobre a vida é através do som das vozes humanas”.
De regresso a Minsk, trabalha em vários jornais até ser convidada para integrar a equipa da revista literária Neman, onde irá dirigir a secção de não-ficção.
Nesses anos de formação enquanto escritora, durante os quais ensaiará vários registos, do conto ou do ensaio à reportagem, será decisivo o encontro com a obra do escritor bielorrusso Ales Adamovich, que tentava então criar um novo género, ao qual foi dando vários nomes, de “romance colectivo” ou “romance-evidência” a “coro épico”. Alexievich assumi-lo-á sempre como o seu principal mestre, afirmando que Adamovich a ajudou a encontrar o seu próprio caminho.
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Tendo optado pelo exílio para escapar à persistente perseguição das autoridades do seu país, a escritora viveu em Paris, Estocolmo e Berlim, e só em 2011 regressou a Minsk, capital da Bielorrússia.
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Tal como War's Unwomanly Face (traduzível por A Guerra Não Tem Rosto de Mulher), também Zinky Boys inspirou vários filmes, e o mesmo aconteceria com Enchanted with Dead, de 1993, um livro sobre as tentativas de suicídio de cidadãos que não conseguiram resignar-se à derrocada do comunismo e aceitar a nova ordem política.
Na lógica dos seus outros livros, Zinky Boys não é um ensaio sobre a política soviética que conduziu à intervenção no Afeganistão, mas um livro que dá voz aos que sofreram com a guerra: militares de diversas patentes, mães de soldados mortos, enfermeiras, até prostitutas.
No mesmo ano em que publicou War's Unwomanly Face, Alexievich lançou ainda outro livro sobre a II Guerra, The Last Witnesses: the Book of Unchildlike Stories, baseado nas memórias dos que testemunharam e sofreram o conflito quando eram crianças.
Andrei Zorin, professor de russo na Universidade de Oxford, afirmou ao jornal Financial Times que “a atribuição do Nobel a Svetlana Alexievich é uma forte tomada de posição moral e literária, que defende os valores da vida humana, em tempos de militarismo triunfante, e a dignidade pessoal dos que enfrentam ditaduras arrogantes”.
Traduzida em 22 línguas, Alexievich, cujas obras têm sido adaptadas não apenas ao cinema, mas também aos palcos, recebera já mais de uma dezena de prémios literários, aos quais se veio agora juntar o Nobel. Alguns dos mais relevantes são o prémio Tucholsky, atribuído pelo P.E.N. sueco em 1996, o prémio da fundação Friedrich Ebert para livros políticos (1998), o Prémio da Paz Erich Maria Remarque (2001), o prémio americano National Book Critics Circle Award (2005), ou o prémio de reportagem literária Ryszard-Kapuscinki (2011).
ler +++ em www.publico.pt, [consultado em 9/10/2015]