Partilha de um texto de Francisco Martins, professor de Português da ESOD
Um devaneio, uma espera…
Espero pelos meus amigos e vizinhos, aqui sentado neste banco, na margem... Ao contrário de outras pessoas, gosto de esperar porque me comprazo com a corrente de pensamentos e ideias. E ocupo-me a olhar, gosto de observar… Costumo encontrar-me aqui com dois antigos amigos de criação, nesta hora silenciosa e quente da sesta. Mas hoje estou apenas eu…E pelas horas que são, já não deverão aparecer. E assim, até sinto melhor este nosso querido rio --- como se ele agora fosse só meu…
Atrás de mim, as gradações do verde, alguns campos cultivados; à frente, as tonalidades líquidas da larga curva do rio. E vejo pela milionésima vez este bulício azulado das águas lentas… Estão agora uma meia dúzia de pequenos barcos de pesca… Ah, que ainda vai havendo uma gostosa variedade de peixes: bogas, solhas, lampreias, tainhas. E trutas… E outros que não identifico. Logo, mais para o anoitecer, aparecerão alguns pescadores. As redes estão estendidas além, agradecendo o sol… E são estes peixes que equilibram o orçamento destas gentes: o gado, o milho, o vinho, o centeio, e alguns produtos hortícolas seriam insuficientes…
Revejo as margens verdejantes, arborizadas; muitas espécies de plantas a descerem até ao rio… E algumas árvores que se erguem, altaneiras, por entre os arbustos, destacando-se daqueloutras das casas de além. Graças a Deus (e à Câmara) que ainda aqui não chegou a devastação trazida pelos químicos, esses pós brancos e maléficos dos insecticidas… Mesmo ao ladinho deste banco, há ervas, plantas, arbustos, que muita malta jovem (penso nos meus sobrinhos escolares) nem sabe que existem…
Perto de mim, desde esta margem até à curva do caminho que entra naquele campo (são apenas uns metros quadrados), o que posso ver e distinguir? Tanta coisa: a salsa brava (com a débil florzinha rosada), os dons-robertos (bons para chá…),a malva, o azevém, a erva molar, hastes de aveia verde, soajos resistentes, teimosos; e acolá estão a macela, já florida, e uma fiada de alegres malmequeres. E, mais afastado, alguns pampilhos, a única cor azul deste conjunto vicejante e diversificado… Um pouco mais longe, sobrevivem ainda alguns cardos, prontos a florirem, perto daqueles dois espinheiros; e aquele sabugueiro torto, mas bonito; e mais para a esquerda, moram dois arbustos que não conheço….
E por fim, a retina dos meus olhos levará para casa (como para a proteger) o tom vivo desta frágil papoila --- enquanto as pombas, patos-bravos e duas gaivotas acabaram por dar pela minha presença… Lembrarei aos meus amigos que este pequeno recanto, tão familiar, continua um jardim, livre e generoso. Existiu sempre sem esquadro e compasso --- e agora nem precisa de jardineiros…
Como fica muito caro estragar o que nos é dado de graça!…