NATAL Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia. Era gente a correr pela música acima. Uma onda uma festa. Palavras a saltar. Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima. Guitarras guitarras. Ou talvez mar. E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia. Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia. No teu ritmo nos teus ritos. No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia). Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos. E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia. No teu sol acontecia. Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia). Todo o tempo num só tempo: andamento de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia. Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva na cidade agitada pelo vento. Natal Natal (diziam). E acontecia. Como se fosse na palavra a rosa brava acontecia. E era Dezembro que floria. Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava. E era na lava a rosa e a palavra. Todo o tempo num só tempo: nascimento de poesia. in Manuel Alegre, Coisa Amar, 1976 | O menino Neste solstício de Inverno ele vai nascer algures no mundo entre ruínas no lugar do não ser ele vai ser deitado nas palhinhas sobre as minas em todos os meninos o menino muçulmano judeu cristão o mesmo coração e um só destino. in Manuel Alegre, Dia de Natal de 2009 |