sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Presentes de Pão

 Um belíssimo texto de Natal:

"Há tempos idos, numa longa viagem até Moçambique, levei numa mochila orgulhosa umas pequenas e deliciosas sanduíches para que, em caso de aperto, me ajudassem a enganar o estômagoele, alguma vezes, pensa de mais e é exigente. O luxo do voo fez com que elas se tornassem inúteis e moribundas, escondendo-se com a vergonha.

A noite permitiu um novo dia, um dia de missão junto de escolas onde todos os alunos querem muito aprender, mesmo não tendo como e, muitas vezes, não tendo um claro para quê.  O dia esfumou rápido e os olhares famintos não tinham coragem de olhar para mim, já que, sem estima, estavam famintosos estômagos deles não conseguiam pensar e não tinham qualquer exigência

Foi ali que senti a Vergonha mais pura, muita Vergonha. Eu tinha deixado quase perecer a comida que trazia na mochila, já menos orgulhosa.

De mãos trémulas e humanas, fui aos fundos e resgatei a Comida, pedi que os miúdos olhassem para mim e, com uma felicidade envergonhada, reparti o pão que lhes encheu o coração. Os olhos do tamanho da lua cheia agradeceram sem palavras e fugiram.

Regressei e, ao redor, hoje o que encontro são crianças que, no Natal, olham com desdém para alguns dos presentes que recebem. 

Talvez um dia sintam a mesma Vergonha que eu."

17 de dezembro 2021

Morgado